Silenciosos

quinta-feira, 15 de abril de 2010

[Do amor], na Escócia

A vontade dele era morar nela. Ele, que por muito tempo se perdeu dos seus desejos. Ela, a quem ele não dava nome, a não ser que fofinha se possa considerar nome. Ela adorava ser chamada assim. Ela, e o amor, que só existia entre quatro paredes ou, às vezes, em conversas à distância, num Skype quando longe estão. Ele, e esse amor que inventaram de ser proibido, porque ela é demasiado nova para ele: uma menininha!   Ele, já não contava mais com o amor, só com paixões dessas fugazes que  presenteiam a carne. Ela, que de tanto amar já não se achava capaz. Ele queria morar nela, mesmo sabendo que naquele corpo não cabia. Naquele corpo de menino, ele queria mãe. Naquele corpo de mãe, queria ser homem. Ele não se reconhecia nela. Mas só nela se encontrava. Nela. Ali, ele fazia as suas confissões. Do que tinha medo, das mentiras que a vida lhe pregava, dos desejos que nem teve, dos sonhos do mundo que tem em si,  E diante dela, mesmo que longe ela estivesse, ele já nem sabia o que era verdade. Ele queria entrar ali dentro e nascer de novo: puro, diferente, igual, autêntico. Queria adormecer nela. Adormecer com ela. Encaixar em conchinha, mesmo que no dia seguinte saísse ao encontro da sua vida de sempre, dos seus lugares e das suas conquistas.  Ele, que vivia para dentro, robô de si mesmo, com mudanças bruscas de humor às vezes. Ela, que achava que ele se cansava dos corpos com demasiada rapidez e que só procurava novidade, atracção, descobriu que ele também é capaz de amar.  Ela, que vivia para fora, para o mundo e para o universo e às para ele. Ela tinha ciúmes de algumas mulheres que entravam na intimidade da vida dele de uma maneira inesperada, mas que iam ficando: como amigas, como amantes. Ele, que se roía por dentro e se consumia quando na mesma casa chegaram a nem se falar. Ele nunca deixou de se lembrar dela, mas era sempre ela que voltava a ele.  Ela, que a cada noite lhe contava uma história, quando ele entrava de rompante no quarto dela para falar, para dormir ou para se amarem.  E era sempre a história dele que contava. Como se lhe voltasse um espelho e, ali, ele se visse nu. Ele gostava de ouvir a sua própria história. Mesmo que saísse dela assustado e com medo, muitas vezes. Mas o dia chegava ao fim e ele voltava. Para ouvir mais uma história. Para se ver mais um pouco, para ver as bochechinhas dela, que ele tanto gostava de tocar. Ela, que era invisível. Ela,que inundava uma casa com boa disposição. A vida em volta continuava a mesma, embora ela vivesse agora longe e inundada em saudades. Ele que a apertou no dia da despedida com a força de quem não quer perder. Ela, que ficou com um nó na garganta e chorou num táxi a caminha da estação. Eram amigos. Não se confiavam tudo, mas amavam-se em cada cm de carne e em cada pedaço de dúvida.

Queriam-se mais do que alguma vez chegaram a dizê-lo. O amor que se tinham,  que se têm, não cabe em palavras. Ele queria morar nela, mas tinha medo de ali ficar. Ela queria, sim, a sua presença. Ali, ele seria sempre bem-vindo. Mas o desejo dela não era o de o engolir. Ela era pequena, tão menor que ele, mas tão grande ao mesmo tempo. Ele, nela, permaneciam noites inteiras- confortável, naquele canto doce e quente, dormindo serenemente e descansando como nunca antes. Ela não o queria para si, embora o quisesse. Queria que ele a quisesse tomar para si, mas que a deixasse escapar que nem enguia, por entre as mãos. Queria que ele sempre fosse bem-vindo, como queria ser bem-vinda sempre.De vez em quando ela também se ia hospedar nele, mesmo que por um tempo, com a certeza de que a casa nunca seria sua. Com a certeza de que as pessoas não se possuem em eternidades.  Ela queria aquele amor macio e estranho, queria aproveitá-lo enquanto o tinha, ainda que não passasse disso: de semanas. Ela queria aquele amor de hoje, de ontem. Queria um amor de palavras e de gestos. Ele queria um amor de sabores e de cheiros.Queria o perfume dela.  Queria amar com liberdade, embora desejasse o desejo de pertencer. Ela queria poder ser dele, mesmo não sendo. Ele queria agarra-lhe a mão para desenharem a dois. Sempre cada um. Sempre de mãos dadas. Mas sempre por si. Com a suavidade de não fazer tudo sempre igual. Ela queria a solidão dele, queria dividir com ele o seu sem rumo, queria dar-lhe os sorrisos que ela sempre tem. Queria emprestar-lhe gargalhadas e oferecer-lhe a espontaneidade que a ela lhe dá tanta graça. Ela queria-o quase toda noite. E digo quase toda a noite, porque ela sabia que nesse "quase" havia um certo espaço que ambos precisavam para respirar. Queria cuidar dele enquanto ele estivesse hospedado nela. Queria hospedar-se nele também e, ali, naquele espaço de tempo, receber os seus cuidados, os seus mimos. Ela queria amar para sempre, mas não buscava a promessa – não era ali que morava o para sempre. Ela também queria a falta dele, de que também era feito o amor por ele. Ela queria-o por inteiro,  por si mesmo e tanto maior ao seu lado. Ela queria, não a promessa, mas a vontade. Ele queria, não a obrigação, mas a sorte. Eles queriam estar sempre a começar de novo sem nunca fechar ciclos. Ela, que tinha uma história comprida.  Ele, que tinha uma história em mente. Muitas vezes, ele pensava em desistir dela. E ele fugia. E dela saía. Mas a noite chegava e ele sempre voltava para casa, para o quarto, para ela.  Porque na rua está frio. Porque ela era ela. Ele, sente a falta dela. De fazer amor com ela . E tudo o mais que se sente quando se está longe. Porque mesmo longe, ele está nela. E ela está nele com todo o amor e paixão sôfrega que ele foi conquistando dela. Ela, que dificilmente se apaixona e dificilmente chora: chorou antes de vir e apaixonou-se ainda por lá. Naquela fria e doce Escócia dos dois.







5 comentários:

  1. Lindo, brilhante, especial...e a mim tocou-me de uma forma tão especial que me encheu os olhos de agua salgada. Porque tem aqui também um bocadinho de mim e "dele" .

    Obrigada por esta partilha.Ler este texto foi reviver o turbilhão de emoções que ele é ou foi na minha vida. Se me permites vou lervar comigo algumas partes e postar no meu blog. Devidamente identificado claro. Posso? beijinhos

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  2. Por momentos viajei sobre a terra dos sonhos ..onde tudo era perfeito e onde o verdadeiro amor existia. Adorei simplesmente ...bjo

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  3. Oh meu amor! Está qq coisa de LINDO PERFEITO! Amores assim não deviam ser separados, deviam ser todos os dias vividos :p

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  4. UAU mesmo de tirar a respiração... adorei... beijos

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  5. Poetic Girl: Obrigada. Prometo visitar o teu cantinho. beijinhos*
    Mysterious Girl: Minha linda, espero um dia poder vir a vivê-lo todos os dias. Até lá, resta-me escrever na distância em nome daquilo que fomos e da felicidade que me deu.
    Cris: "onde o amor verdadeiro existia"- eu quero que acredites que ele existe mesmo. Pode ainda nao ter chegado, mas anda por aí! Acredita!
    Inês e Mafalda: adorei o vosso cantinho como tinha comentado ontem! Fico feliz de ver as minhas palavras postadas por lá. Obrigada!

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