Silenciosos

sábado, 18 de setembro de 2010

Infância



A infância, cresce nos meus olhos emocionados e volta a ser um regresso ao passado e ao mundo primordial e pacífico aquele que ainda me deixa um nó na garganta ao ler certas cartas escritas na minha meninice.  Sim, já naquela altura eu gostava de escrevinhar. A escrita sempre foi a minha principal confidente lá na aldeia. A aldeia, aquela onde dir-se-ia ter ali parado há séculos o tempo. Ainda assim, percorro na minha geografia afectiva e sentimental esse tempo, onde fui feliz. Agora, na memória avivam-se fragmentos desse tempo, dessa infância com:
os desvelos carinhosos da minha mãe antes de que a doença ma tivesse tirado e as histórias evocativas do meu pai que sempre tentou fazer o papel dos dois.
Saudades, do mar encapelado que via nas férias e eu, menina, com franja e com fita no cabelo.
Saudades, do verde maciço da vegetação e do sussurro do vento, com o calor pesado do Verão.
Saudades, dos poentes vermelhos e púrpuros e de ver o céu cheio de cores.
Saudades  da casa arejada, alegre e solarenga dos meus avós. Saudades dessa casa pequena e pobre que me acolhia a cada fim de semana.
Saudades, do velho relógio da torre da igreja e do compasso ritmado que marcava cada actividade.
Saudades, dos muros altos dos quintais forrados de líquenes e heras.
Saudades, do maciço contorno de azáleas e  hortênsias onde eu apanhava borboletas e à noite ouvia o canto dos grilos.
Saudades da leitura de Robinson Crusoe, o sonho, a aventura e a vontade de viver em permanente estado de ficçao.
Saudades de ter descoberto o porco dependurado na trave mestra da oficina, de cabeça para baixo, todo aberto.
Saudades das minhas recusas à missa dominical e ao cheiro a incenso e a cera queimada.
Saudades da escola primária, de jogar às escondidas, à macaca e ao " a mamã dá-me licença?".
Saudades da minha professora primária, da sua rudeza e da caligrafia esmerada nos cadernos de duas linhas.
Saudades das galinhas poedeiras da minha vizinha, do pombal e do pomar do senhor Fernando.
Saudades de montar o Presépio com a Filipa, do Dia de Reis e do tempo das vindimas.
Saudades das intrigas e coscuvilhices das vizinhas, das velhas camionetas à volta do concelho.
Saudades da pele macia da minha avó Laura e das suas mãos ágeis no crochet.
Saudades dos lapsos de memórias e da caligrafia cuidada do meu avô António.
Saudades dos lanches com doce de abóbora.
Saudades das infinitas conversas com a minha avó- a minha sempre mais que tudo.
Saudades dos gestos elegantes, os requebros subtis e a frescura do meu primeiro namorado.
Saudades dos primeiros beijos trocados numa sala de aula do 9º B.
Saudades dessa inocência.
Saudades dessa amizade que mantínhamos.

Saudades de estar bem onde estava bem!

Vocês de que sentem saudades?

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