Silenciosos

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Na mesma árvore, mas em estações diferentes...





Durante o decorrer dos dias, enquanto andava a vaguear pela solidão do mundo, os últimos tempos de incompreensão, de mau – humor e de imaturidade da nossa convivência hoje desapareceram. Sentada à lareira, numa manhã fria e bastante arrepiante cheira-me na memória a momentos passados com alguém especial. Cheira-me a café quente, daquele acabadinho de fazer, e sabe-me a caramelo com uma fragrância de baunilha. As recordações que há á minha volta são recordações de quando eu era criança. É essa criança que te escreve, não a pessoa fechada e prepotente dos últimos meses. Sabes, é que enquanto o corpo funciona, não nos apercebermos do grande inimigo que ele pode ser, se cedermos na vontade de o controlar por um instante, estamos perdidos.

Por isso, se eu me perder, mesmo que por algumas frases, não leias mais. Amachuca o papel como se me estivesses a amachucar a alma. Não te julgarei, acredita! Podes atirar o conjunto de palavras pela janela, rasga-los em pequenos fragmentos, queima-lo até, porque eu continuarei a escrever. Talvez num papel igual ao que agora escrevo, e voltarei eu e a escrita, a sermos uma só! Sobreviverei a essa morte. Já descobri que os mortos pesam menos pela ausência do que por aquilo que – entre nós e eles – não foi dito. Se um dia chegares aos oitenta, compreenderás ( eu eu espero também compreender) que, nessa idade, as pessoas sentem-se como folhas em finais de Setembro. Bom, a luz do dia, nessa altura, dura menos e a árvore começa a chamar a si as substâncias nutritivas. O azoto, a clorofila e as proteínas são sorvidas pelo tronco e com elas vai-se também o verde, a elasticidade. Ainda se está suspenso lá em cima, mas sabe-se que é por pouco tempo. Uma após outra, as folhas vizinhas vão caindo, vê-las cair, vives no terror de que o vento se erga. Para mim, o vento era o medo de errar, de te desiludir. Nós vivíamos na mesma árvore, mas em estações diferentes. Foi essa diferença natural que se intrometeu entre nós. Na época em que a tua couraça começou a formar-se a minha já estava em farrapos.

Perdoa-me por te ter amado demais, meu amor!

Andreia Fausto

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